Imagem de Ahkeem Hopkins por Pixabay.
Muito se fala de Rock, afinal, nenhum outro gênero musical se difundiu tanto em nível global, tendo tantas formas derivadas e se fundindo com tantos outros gêneros e elementos diversos. Também foi o gênero que teve maior apelo midiático, se analisarmos que o começo do Pop era justamente no Rock. Ele teve mais visibilidade em outras mídias do que qualquer outro, sendo, sem dúvidas, o gênero com maior de maior repercussão no cinema, na televisão, no teatro, nos quadrinhos, na literatura, nos jogos, nas artes e nas mídias de forma geral. Mas o que seria do Rock caso não existisse Blues? O Rock não é só Blues, mas, de maneira geral, é o que podemos notar maior participação em sua construção musical tanto na sua origem quanto na maioria de seus subgêneros e derivações. Então, nada mais justo do que uma singela homenagem a esse clássico da música contemporânea.
T-Bone Walker – Hey, Baby
Podemos dizer que o Blues nasce do meio para o final do século XIX na comunidade negra do Sul dos EUA. Suas origens têm a mesma trajetória que os seus antepassados negros escravizados trazidos da África, contendo uma mistura de cantos religiosos tanto de origem africana quanto cristã e das chamadas “worksongs”, canções de trabalho geralmente nas grandes plantações de milho e algodão do Sul. A dor, tristeza e melancolia são elementos sempre presentes na vida daqueles que foram privados de tudo e sua vida condenada aos interesses de outros de forma vil -creio que o povo judeu sabe muito bem do que se trata. E o termo Blues vem justamente disso, servindo como um sinônimo popular para melancolia, ele expressava musicalmente isso através das narrativas de suas letras e da escala de Blues também conhecida como escala pentatônica sendo empregada em progressões de acordes que usam timbre mais baixo deixando o som mais “triste” (não necessariamente).
Como exemplo, essa música que é uma adaptação de uma “worksong” dos tempos das grandes lavouras de algodão gravada pela primeira vez por Lead Belly, um dos pioneiros do Country Blues, em 1940. Lead Belly nasceu no estado da Luisiana em 1888 de uma família de ex-escravos pobres e, devido seu temperamento forte, se meteu em confusão e foi preso várias vezes. Entre suas grandes obras, que fizeram muito mais sucesso com outros artistas do que com o próprio, destacam-se “Midnight Special” e “Cotton Field”, essa última regravada por Harry Belafonte -que tinha origem judaica-, The Delltones, The Hoghwaymen, Johnny Cash, Beach Boys, Jimmy Page, Elvis, The Pogues, Elton John e a mais conhecida de todas, Creedence Clearwater Revival. Essa música narra a vida difícil do trabalhador de uma plantação de algodão que tem que dar duro todo dia para pegar muitas bolas, mas se pegar demais elas podem apodrecer, sendo que na verdade é narrado como se fosse a música que a mãe do eu lírico cantava para ele no berço.
Lead Belly – Catton Fields
Já ouviu falar do “Diabo da Encruzilhada”? Esse se tornou o apelido do maior nome do Blues, Robert Johnson. Segundo a lenda, ele teria sido o primeiro grande artista contemporâneo a ter feito um pacto com o diabo -de antes dele, eu só conhecia a leda sobre Paganini. A lenda diz que Robert Johnson, um jovem negro pobre da zona rural do Mississippi nascido entre 1909 e 1912, tinha o sonho de se tornar um grande músico de Blues e, dependendo da versão, foi influenciado por outros a ir numa encruzilhada na estrada perto da Dockery Plantation, uma grande fazenda de algodão, à meia-noite. Então, aparece um misterioso e grande homem negro que supostamente seria o diabo -as vezes retratado como o diabo cristão ou como a entidade africana Legbá presente na mitologia Iorubá ou como uma mistura folclórica de ambos) e tem versão que diz que ele teria dado um violão ou palheta para Robert Johnson ou só teria afinado de forma especial o violão pessoal do próprio. O diabo teria tocado algumas músicas e depois devolvido o violão para Johnson que agora teria uma habilidade e domínio excepcionais. Robert Johnson gravou apenas 29 músicas em duas sessões de gravação entre 1936 e 1937. E a lenda não para por aí. Em 1938 ele se apresentava no bar Tree Forks quando teria bebido um uísque envenenado por um marido ciumento. Algumas versões dizem que ele morreu de quatro e uivando para a lua, outras dizem que ele se recuperou e depois morreu de sífilis, outra diz que ele foi morto a tiros por um marido ciumento, tem uma que diz que o diabo voltou com seu violão e sua gaita cromada e teria dado o uísque envenenado a ele ou soltado cães pretos malignos contra Johnson. Deixando tudo ainda mais estranho, ele também teria morrido com 27 anos assim como Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Basquiat, Kurt Cobain, Amy Winehouse, Alexandre Levy, Alan Wilson (dizem que parece comigo), Evaldo Braga, Ron McKernan, Dave Alexander, Pete Ham, Jacob Miller, André Pretorius, Skunk e Anton Yelchin (judeu). Robert Johnson foi influência direta para diversos grandes artistas como Moddy Waters, Led Zeppelin, Bob Dylan, Eric Clapton, Rolling Stones, Blues Brothers, Red Hot Chili Peppers, White Stripes, Johnny Winters e muitos outros. Não foi por menos que sempre é considerado um dos melhores guitarristas da história ou bluesman mais influente e até Rei do Delta (Mississippi) Blues, ao ponto de sua lenda inspirar filmes, quadrinhos e séries.
Robert Johnson – Crossroad
Sem dúvidas Muddy Waters é um dos maiores nomes do Blues de forma geral e o considero o melhor exemplo para explicar como a migração da população negra nos EUA durante o século XX foi influenciando o Jazz e o Blues que iam ganhando novas características de acordo com que iam subindo o delta do rio Mississippi até chegar em Chicago. Não à toa Muddy Waters ficou conhecido como pai do Chicago Blues. Ele nasceu no Mississippi e subiu até Chicago para mudar de vez a história da música se tornando não só um dos maiores nomes do gênero, mas também contribuindo para o desenvolvimento do R&B, Folk, Jazz e Rock. A música escolhida, “garoto esperto”, foi a primeira que eu escutei sabendo que era ele na trilha sonora do maravilhoso filme baseado em fatos reais de Martin Scorsese “Cassino”, filme que fala sobre o crime organizado em Las Vegas em 1970s focando em Sam “Ace” Rothstein, um gangster e apostador judeu baseado em Frank “Lefty” Rosenthal.
Muddy Waters – Mannish Boy
Meu favorito sempre foi John Lee Hooker e eu fico levemente incomodado quando eu falo nome dele e perguntam se eu não estou falando de Johnny Hooker, já que não tem nada a ver um com o outro. Hooker nasceu entre 1912 e 1917 também no Mississippi e não só subiu o Delta até Chicago, mas rodou o EUA todo gravando dezenas de discos e fazendo participação com diversos artistas. Até gravadoras ele passou por muitas, foram cerca de 14 em 70 anos de carreira. Inicialmente ele fazia aquele “Blues vagabundo” melancólico e sagaz parecendo um velho sentado na porta de um bar ou um viajante em um vagão de trem com sua guitarra metálica, sua voz grave e profunda e uma batida forte de pé marcando o tempo. Porém, ele foi um dos percussores do Blues Elétrico e até incorporou elementos de Rock e Jazz dependendo de seu momento. Podemos dizer que seu som se tornou “mais animado”.
John Lee Hooker – Habo Blues
Sua carreira durou até sua morte em 2001 com mais de 500 músicas gravadas e tendo feito parcerias -ou sendo regravado- por grandes nomes como Bob Dylan, Keith Richards, Santana, Conned Heat, Bonnie Raitt, B.B. King, Van Morrison, Blue Brothers, The Animals e, a parceria que gerou o melhor de todos os trabalhos em conjunto em minha opinião, Miles Davis. Em 1990 John Lee Hooker se juntou com Miles Davis, Roy Rogers, Earl Palmer e Tim Drummond e fizeram a maior parte da trilha sonora de um filme neo-noir sensual dirigido por Dannis Hopper chamado “The Hot Spot”.
John Lee Hooker & Miles Davis – Coming To Town
Nascido também no Mississippi em 1910, Chester Arthur Burnett ou Howlin’ Wolf. Howlin’ Wolf acabou fazendo sucesso um pouco mais tarde, nos anos 1950s depois de algumas aparições em programas de rádio no Tennesse o que chamou atenção de Ike Turner - sim, que foi casado com Tina Turner - que produziu as primeiras gravações de Wolf e possibilitando com contrato com a grande Sun Records, a maior gravadora de Rock ‘n’ Roll e Rockabilly, assim também como Country, R&B e Blues dos EUA na época. Assim como os outros grandes nomes da época, Wolf também subiu o Delta e foi parar em Chicago onde desenvolveu sua grande carreira. Sua alma musical tinha aquele ímpeto do improviso bem marcado no Jazz até mais do que no Blues, mesmo sabendo que o Jazz também tem a sua origem no Country Blues da virada do século XIX, como diria o Historiador judeu Eric Hobsbawn. Wolf não lia partitura e começava seu processo de gravação improvisando ritmos até achar um que o agradasse sem anotar nada.
Howlin’ Wolf – Down In The Bottom
Não tem como escrever um artigo sobre Blues de forma geral sem citar B.B. King, que creio ser o Bluesman (ou Blues Boy como seu nome) mais famoso de toros. Riley Ben King também nasceu no Mississippi em uma fazenda de algodão em 1925. Desde os 9 anos ele vivia sozinho e trabalhando na colheita e começou a tocar em troca de dinheiro nas ruas. Em 1947 ele vai para Memphis no Tennessee assim como Howlin’ Wolf e compra sua companheira inseparável Lucille, sua guitarra Gibson ES-355S. King só conhecia música Gospel até ouvir T-Bone Walker. T-Bone Walker Nasceu em 1910 no Texas de um casal de músicos de origem afro-americana e Cherokee, sendo que ainda criança aprendeu a tocar violão, ukulele, banjo, violino, bandolim e piano, se tornando conhecido por ser o primeiro bluesman a usar uma guitarra elétrica.
King foi extremamente influente para muitos guitarristas de Rock. Até me atrevo a dizer que foi o bluesman que mais influenciou artista do Rock, mas até do que no próprio Blues. Como a grande maioria dos músicos negros do seu tempo, também era marginalizado e seu sem não era tão comercial quando o que os jovens roqueiros brancos que queriam tocar como bluesmen negros, então também não tinha tanta visibilidade midiática quando deveria. Porém, nisso ele obteve destaque. Creio que por seu nível de influência ser maior, ele conseguiu ter uma maior visibilidade midiática. King inspirou diretamente grandes nomes como Mike Bloomfield (judeu), Albert Collins, Buddy Guy, Freddie King, Jimi Hendrix, Johnny e Edgar Winter, George Harrison, Jeff Beck, Rolling Stones -em 1969 ele abriu 18 concertos deles, assim como em 1989 fez participação numa turnê do U2 pela Austrália, Nova Zelândia, Japão, França, Alemanha, Países Baixos e Irlanda- e o seu maior fã, o polêmico Eric Clapton que chegou a gravar disco junto. Outros destaques da carreira de King foi sua turnê em 1970 patrocinada pelo governo do EUA em Uganda, Nigéria e Libéria. Também fez um show em 1996 para tropas Suecas, Russas, Belgas e dos EUA que estavam na Bósnia e Herzegovina numa tentativa de manter a paz. Nesse mesmo ano fez uma turnê na América Latina passando pelo México, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Paraguai, o que totalizou mais de 90 países em que se apresentou. Foi o bluesman que mais ganhou prêmios.
B.B. King – Lucille
Henry Saint Clair Fredericks, muito mais conhecido como Taj Mahal é um cara que não ganhou toda fama que merecia, mas revolucionou Blues com elementos de R&B, Rock, Jazz, Country, Folk, Rocksteady e Reggae, assim como ritmos caribenhos, africanos e indígenas. Nascido em Nova Iorque em 1942, ainda jovem se mudou para Califórnia e entrou na música logo depois de se formar em 1964. Ele sintetiza muita coisa que eu gosto como por exemplo o fato dele conseguir misturar coisas tão distintas com elementos em comuns de forma majestosa e seu espírito estudioso, afinal, ele é formado em etnomusicologia na Universidade de Massachusetts. Meu primeiro contato com ele foi assistindo o LD (Laser Disc) do Rolling Stones Rock ‘n’ Roll Circus gravado em 1968 contendo participações de The Who, John Lennon, Eric Clapton, Mitch Mitchell, Jethro Tull, Marianne Faithfull, Yoko Ono e um bocado de presepada circense. Na apresentação de Taj Mahal eu me surpreendo com um blues cheio de emoção e com uma pegada Rock; vocal negro e estiloso com uma voz poderosa; um bom guitarrista fisicamente grande e indígena; um baixista preciso e descolado; e na bateria Mitch Mitchell que era baterista do Jimi Hendrix Experience; e todos eles vestidos de cowboy. Agora vem uma parte curiosa, quem assistiu o filme “Django Livre” de Tarantino com Jamie Foxx, um filme de ação baseado no velho oeste e homenageando Django de 1966 com Franco Nero, o personagem homônimo do filme usa vestimentas muito parecidas com a de Taj Mahal ao longo do filme.
Taj Mahal – Ain’t That A Lot Of Love
Tem aquela velha história que o sonho de todo músico de Rock é tocar como um músico branco inglês de Rock, mas o sonho de todo músico branco inglês de Rock é tocar como um velho bluesman negro do interior do EUA. Eric Clapton é um grande exemplo diss. Eu acho que ele foi o músico inglês que mais colocou isso em prática. Seu Blues sempre foi Rock demais e seu Rock sempre foi Blues demais. Isso foi um problema em algum momento? Muito pelo contrário. Desde a época do Cream, puxando para o Rock Psicodélico, sua influência fica clara pelas suas escalas e por músicas como “Crossroad” de Robert Johnson. Na verdade, até antes disso como na época do Yardbirds que era muito mais um Rock ‘n’ Roll inocente embebido de Blues. Em sua carreira solo fica cada vez mais nítida essa influência.
“Layla”, a música escolhida, foi feita de forma curiosa: Eric Clapton estava numa fase complicada de sua carreira solo com abuso de drogas, divórcio, problemas com gravadora e uma crise com sua identidade artística que o fez questionar se o que ele produzia fazia sucesso por ser bom ou só fazia sucesso por ser ele quem fez. Então ele fez um projeto inicialmente como uma espécie de pseudônimo que foi Derek and The Dominos que lançou um dos seus maiores sucessos da carreira que foi Layla, música feita para a mulher de seu melhor amigo George Harrison por quem havia se apaixonado. George é um cara tão gente boa que quando o casamento não estava indo bem, ele deu um empurrãozinho para os dois ficarem junto, mas o casamento do Slowhand não durou muito também. Música que escolhi por ser minha favorita dele em três versões diferentes: A original, que tem uma estrutura de Blues, mas uma roupagem bem mais “Rock clássico”; a versão do acústico de 1992 que volta muito mais para o Blues, porém num tom muito mais moderno; e uma versão ao vivo que se aproxima mais do Blues, porém como elementos de Jazz como uma introdução fantástica com um sax barítono.
Desde o fim dos anos 1970s que Eric faz algumas declarações no mínimo polêmicas. Primeiro foram declarações sobre imigração que o fez ser visto como racista, mas há quem defenda que ele não seria tão próximo de Santana ou de B.B. King caso fosse. Mais recentemente ele fez declarações negacionistas sobre a COVID-19.
Eric Clapton – Layla
The Allman Brothers Band surgiu na Georgia em 1969 misturando elementos de Southern Rock, Country Blues e Blues Rock. Acho que de grosso modo, podemos definir como uma banda de Rock que tem uma estrutura musical baseada no Blues e uma temática baseada no Country. Além disso, Duane Allman é um guitarrista muito bom e seu irmão Gregg não fica para trás nos teclados.
The Allman Brothers Band – Ramblin’ Man
Stevie Ray Voughan & Double Trouble foi a figura mais importante do Texas Blues, um estilo marcado pela forma harmônica como aloja elementos do Rock, principalmente do Southern Rock, e do Country em suas músicas, podendo conter traços de Jazz. Ainda existe uma certa melancolia, mas existe uma certa safadeza sonora como se tudo pudesse acontecer naquele bar cujas pessoas vão para se divertir. Essa e a sensação que passa, muito mais de uma “Roadhouse” do que um bar sórdido escondido. Importante também dizer que Albert King era considerado padrinho de Stevie Ray Voughan.
Stevie Ray Voughan & Double Touble – Texas Flood
Os irmãos texanos Winters são figuras ímpares, eles se destacaram entre os anos 1960s e 1970s por dois motivos: Primeiro, eram irmãos albinos músicos e isso era muito difícil de se ver na mídia ainda mais naquela época; e o mais importante, eles são músicos geniais e muito difícil de se comparar a qualquer um. Johnny Winter, o mais velho e o que gosto mais, focou sua musicalidade do Blues Rock, Southern Rock e Texas Blues com um ar bem mais Country. Já seu irmão mais novo, Edgar, conseguia até ser mais versátil sendo um multi-instrumentista tocando teclado, sax, baixo, guitarra, bateria e sintetizador, também se enveredou por vários estilos como Rock Psicodélico/Progressivo, Jazz Fusion, Blues Rock, Blue-Eyed Soul e muita maluquice com talento. E aqui está uma apresentação dos dois juntos em 1969 em Woodstock.
Johnny e Edgar Winter – Tabacco Road
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