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Foto do escritorIvan Motosserra Pamponet

Brega


Tomei a liberdade de aproveitar a deixa que meu aniversário foi ontem, 17 de maio, para celebrar uma “homenagem” que sempre fazia nas minhas festas à música Brega. Durante anos, produzi uma festa com nove edições com a temática Brega. Basicamente, eu me reunia com meus amigos e alguns clientes que se atraiam pelos vídeos promocionais ou por estar passando e ver aquela festa maluca acontecendo no Santo Antônio, ali no centro. Eu me vestia de camisa floral, calça xadrez e botas e chapéu de cowboy numa festa que tocava o melhor do Brega nacional e “internacional”, churrasco colaborativo, batida de gengibre de brinde, muita cerveja e Paulinho de Nazaré, o cantor mascarado, cantando seu repertório romântico. De todos os eventos que eu fiz, esse é o que mais pedem para que tenha retorno.


Eu me apaixonei pela música Brega ainda na adolescência paralelamente enquanto estava no ápice da empolgação com o Metal e o Punk, pois havia me reconhecido como headbanger (metaleiro) e estava tendo o prazer da descoberta de diversas bandas e subgêneros. O Brega parecia ser um marginal popular, pois mesmo sendo altamente conhecido e difundido na sociedade, ainda vivia numa espécie de marginalidade artística sendo “rebaixado” para categorias inferiores numa escala imaginária. Porém, diferente de muitos cantores de Arrocha (que não deixa de ser brega) de hoje, eu percebia sentimento real e autêntico nas músicas. Músicas que poderiam serem literariamente lidas como atrasadas por estarem presas ao Romantismo típico do século XVIII e XIX com o amor avassalador e irremediável, o mal do século (passado) ainda vivo.


De primeira, antes de começar minha lista de músicas, vou indicar um documentário fantástico encontrado no Youtube chamado “Eu Vou Rifar Meu Coração”, referência a música homônima de Lindomar Castilho, que mostra a relação da música Brega com a vida das pessoas comuns. Como aquelas estórias narradas na música se misturam com as histórias vividas pelos artistas e pelo público numa relação de retroalimentação. O documentário conta com relatos e entrevistas com grandes artistas da Música Brega e de pessoas comuns que passaram por situações típicas das músicas. Esse documentário me despertou a vontade de um dia desenvolver, inspirado também no historiador judeu Eric Hobsbawm, a História Social do Brega.


Eu Vou Rifar Meu Coração


Existe uma discussão antiga sobre o que é e o que não é Braga. Para mim, ser brega vai muito além de um gênero musical. Tem a ver com postura, sentimento e temática, podendo se enveredar por diversos estilos como Rock, Samba, Sertanejo, Forró e etc. O termo “brega” é oriundo de dois contextos, cujo primeiro significado está ligado a ser cafona no seu estilo ultrapassado, e também usado para se referir a locais promíscuos. A música popular na Era de Ouro da Rádio misturava elementos populares como Samba, Chorinho, Marchinhas de Carnaval, Bolero e música romântica. Acontece que é justamente dessa definição genérica de música romântica que nasce o que seria o Brega. A indústria fonográfica se desenvolve e alguns estilos e roupagens antigos se tornam ultrapassados, sendo considerados popularmente como brega.


Sem dúvidas eu irei começar pelo monumental Nelson Gonçalves que começou sua carreira justamente nesse período da Rádio em 1941. Nelson Gonçalves nasceu no Rio Grande do Sul em 1919, sofreu bullying por ser gago, se mudou para São Paulo e Rio de Janeiro onde foi mecânico, jornaleiro, engraxate e boxeador e fez amizade com a malandragem local. Chegou até a ser amigo pessoal de Madame Satã. No final da década de 1940s, já era sucesso em todo Brasil e ganhou o apelido de Rei da Rádio, inclusive se tornando o cantor favorito de meu avó Chico. Sua carreira foi gigantesca e ativa de 1941 até 1998, quando morreu. Foram 183 discos e mais 128 álbuns que venderam mais de 75 milhões de cópias (segundo maior no Brasil atrás de Roberto Carlos) e ganhando 38 discos de ouro e 20 de platina. Para mim, a mais belas de suas canções é “A Volta do Boêmio” foi lançada originalmente em 1956 já foi um grande sucesso, mas a sua própria segunda versão de 1965 que se tornou a mais conhecida. Basicamente ele narra em primeira pessoa o pedido de um homem para voltar à boemia, como se essa fosse uma mulher ou instituição, pois esse grande boêmio se apaixonou tão perdidamente por uma mulher que esse largou o que mais amava, a boêmia, para viver com ela. Acontece que essa mulher amava tanto esse boêmio que sabia que ele só seria feliz de verdade na boemia e termina com ele para que ele possa voltar, mas tento o consolo e alegria que, depois da boemia, é dela que ele gosta mais. É uma linda e triste narrativa de um amor e sacrifício.


Nelson Gonçalves – A Volta do Boêmio


Lindomar Castilho, hoje, pode ser um nome que passe despercebido por aí, mas houve tempo que sua fama cobria todo território nacional. Nascido em Goiás, ele conquistou o Brasil na década de 1970s onde ficou conhecido como Rei do Bolero. Teve sucessos como “Eu Vou Rifar Meu Coração” que fala sobre cansar de ser maltratado e que vai leiloar seu amor para quer quiser; “Camas Separadas” que fala sobre esconder o término do relacionamento por causa dos filhos; “Ébrio de Amor” que fala sobre um amor romântico entre um rapaz pobre e uma mulher lindar; e “Você É Doida Demais” em que ele basicamente diz que a mulher, possivelmente sua companheira, é doida demais. Lindomar foi esquecido após assassinar sua ex-esposa Eliane Grammont movido pelo seu alcoolismo e ciúmes. A cantora iniciante havia voltado aos palcos de boates para se apresentar logo após a separação. Lindomar foi condenado a 12 anos e cumpriu 6.


Lindomar Castilho – Eu Vou Rifar Meu Coração


Um dos maiores ícones da música Brega é Eurípedes Waldick Soriano, nascido em um distrito de Caitité aqui na Bahia. Nasceu de uma família relativamente pobre cujo pai era um pequeno comerciante de ametistas, comuns naquela região. Deste jovem, demonstrou aptidão para música e para a vida boêmia com muitos amores e aventuras. Uma dessas aventuras e desventuras o impulsionou a seguir para o Rio de Janeiro para ganhar a vida. Seus grandes sucessos tiveram auge nas décadas de 1960s e 1970s quando ficou conhecido como Rei/Muso das Domésticas/Empregadas devido ao seu estilo “cafona” ser mais comum a classe trabalhadora mais humilde. Waldick não era militante político, mas tive problemas com a Ditadura Militar (1964-1985) por causa da música “Tortura de Amor” que não tinha absolutamente nada em relação as denúncias que o Regime Militar sofria. Pouco antes de sua morte, a atriz Patrícia Pillar, grande fã de suas músicas, fez o documentário “Waldick, Sempre no Meu Coração” de 2007.


Waldick Soriano – Torturas de Amor


O goiano Odair José, também conhecido como Terror das Empregadas e Bob Dylan da Central do Brasil, é um dos maiores nomes da música brasileira e pode ser considerado tanto MPB quanto Rock ou Brega, sendo que sua carreira sempre foi autêntica e singular na forma de criar suas músicas, acredito que para ele não há bem uma grande diferença do que seria esses termos para definir sua música. Odair José desconstrói o significado de MPB ao constatar que existe um caráter elitista no que é designado como “Música Popular Brasileira” mesmo não sendo necessariamente e literalmente popular, enquanto se exclui diversos gêneros populares e brasileiros que representam muito mais o povo, como nesse caso específico, o Brega. Basicamente, para ele assim como para mim e o jornalista Paulo Cesar Araújo, existe uma distinção musical baseada numa questão social (de classe) em quê a música vendida como “Popular Brasileira” não é difundida nas camadas mais populares da sociedade brasileira.


Para quem não sabe, Odair José também foi responsável pela primeira Opera Rock brasileira que foi “Filho de José e Maria” de 1977 que resultou no cantor ser excomungado em 1978 devido ao conteúdo político contido no disco. Um dos seus maiores sucessos, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, que parece uma simples canção romântica sobre um homem apaixonada por uma prostituta, na verdade era uma crítica social aos homens casados e conservadores que pregavam a moral, mas tinham casos e frequentavam bordeis. Por esse cunho politizado que existe até hoje, conseguiu obter um certo destaque no meio intelectual mesmo que isso tenha trazido alguns problemas. Também foi casado com a grande cantora Brega Diana. E posso dizer que tive o prazer de assistir um show dele e consegui um abraço bem carinhoso nos bastidores além de uma rápida conversa interessante e um CD autografado para meu pai.


Odair José – As Minhas Coisas


Ana Maria Siqueira Lóiro, também conhecida como Diana, foi uma das maiores cantoras de música Brega, mas começou sua carreira no genérico e divertido movimento da Jovem Guarda com seu Rock romântico em 1969. Porém, com o declínio da Jovem Guarda e a ascensão da música Brega, Diana soube bem para onde enveredar. Chegou a trabalhar com grandes nomes como Raul Seixas, Renato e Seus Blue Caps e seu marido na época, Odair José. Um dos seus maiores sucesso foi “Porque Brigamos”, versão brasileira de “I’am, I Said” do Elvis judeu Neil Diamond, mas eu já coloquei essa música antes aqui, então vou escolher uma bem Brega, linda e emocionante.


Diana – Valsa dos Namorados


Com mais de 40 anos de carreira, Amado Batista gravou mais de 38 discos, vendeu mais de 38 milhões de cópias, 28 discos de outro, 28 discos de platina e um de diamante. Também nascido em Goiás, e nesse caso podemos até sentir um ar mais próximo do sertanejo dependendo da música, ganhou o Brasil no final da década de 1970s com sua música avassaladora. Eu me apaixonei por sua música, diferente dos demais que demonstrei interesse na adolescência com ajuda do meu pai, Amado Batista tem um grande valor nostálgico da minha infância em Baixa Grande onde eu conseguia escutar aleatoriamente e a todo momento sucessos como “Secretária”, “Princesa” e “Amor Perfeito”. Eu fiquei muito na dúvida de qual escolher e pensei em colocar o maior clássico brega de minha infância que foi “Amor Perfeito” que narra saga de um homem que perde sua esposa e seu filho na hora do parto, começando de um jeito lindo e terminando de um jeito triste. Porém decidi colocar uma mais antiga ainda, de 1979.


Amado Batista – O Julgamento


O Rei do Brega, Reginaldo Rossi, era outro que estava muito presente na minha infância. A diferença é que sua música não me impactou sentimentalmente como Amado Batista, mas sucessos como “Garçom”, “Raposas e as Uvas” e “Mon Amour, Meu Bem, Ma Famme”, mesmo sendo imortais em minhas memórias, tinham um ar até um pouco cômico. Esse pernambucano começou sua carreira no Rock por influência de Elvis e Beatles nos anos 1960s e acabou entrando na Jovem Guarda. O Pão da Jovem Guarda acabou conquistando o público brasileiro na década de 1970s que o fez estourar como um dos grandes nomes do Brega até ser considerado o Rei do Brega nos anos 1980s.


Reginaldo Rossi – Garçom


O Ídolo Negro, Evaldo Braga, foi um importante nome tanto da Black Music quanto do Brega e do Bolero nos anos 1970s. Nasceu no estado do Rio de Janeiro em 1945 possivelmente filho de uma prostituta que o abandonou no lixo quando bebê. Outra teoria é que seria filho de um relacionamento extraconjugal de seu pai Antônio Braga. O cantor morreu num acidente de carro no auge de sua carreira em 1973 na divisa de Minas Gerais com Rio de Janeiro.


Evaldo Braga – A Cruz que Carrego


Fernando Mendes nasceu em Minas Gerais e se tornou conhecido nos anos 1970s com sua música que caminhava entre o Brega, o Rock, MPB e “música romântica”. Suas músicas eram bem tristes, geralmente falando sobre pobre garotas com a vida sofrida que esperam o grande amor. Ele tem música para uma garota feia, para uma garota pobre, para uma garota deficiente, mas as vezes ele que é o sofrido da história. Um dos seus maiores sucessos, injustamente acabou ressurgindo e ficando bem famoso na versão de Caetano Veloso de “Você Não Me Ensinou A Te Esquecer”. Digo infelizmente, pois a versão original é bem melhor que Fernando Mendes merecia voltar do esquecimento e ostracismo musical.


Fernando Mendes – Cadeira de Rodas


Roberto Carlos dispensa grandes apresentações e é conhecido como O REI (da música brasileira e da música romântica). Lembro que ficava bem confuso quando era criança sem saber quem era o verdadeiro rei, Roberto Carlos ou Elvis. Mas meu pai brilhantemente me explicou que Roberto Carlos era rei aqui no Brasil e Elvis no EUA. Todo mundo sabe que Roberto Carlos começou no Rock imitando grandes nomes dos EUA e acabou sendo o maior ícone, o Rei da Jovem Guarda (de fato existia um programa de TV em que Roberto Carlos era o Rei da Jovem Guarda e Ronnie Von era o príncipe). Mas depois que acabou a era da Jovem Guarda, assim como a maioria, Roberto Carlos acabou se dedicando mais ao seu lado romântico do que ao seu lado Rebelde e isso gerou umas músicas que podem ser muito bem lidas como BREGA. Ele só não foi considerado completamente Brega por conta de seu capital social/cultural que o estabilizou como rei mesmo o movimento que o nomeou rei não existindo mais. E, para ilustrar esse lado dele eu vou escolher a descrição mais linda e poética de uma relação íntima.


Roberto Carlos – Cavalgada


Para exemplificar o porquê que digo que o Brega está para além de gêneros musicais e barreiras territoriais, eu vou dar um ótimo exemplo de Brega Internacional que é “Sacriface” de Elton John. Elton John é o um celebre cantor e pianista inglês, cantor favorito de minha avó Mirim, cuja carreira foi do Pop ao Rock e do Disco ao Romântico, mas que ele tem um forte lado Brega, ele tem. Se a gente olhar bem, ele praticamente fez um Arrocha em inglês em pleno anos 1980s. É quase como se ele tivesse viajado no tempo e espaço para Candeias em 1996 num show de Asas Livres.


Elton John – Sacriface




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