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Foto do escritorIvan Motosserra Pamponet

Carna – Purim (Parte 2)




Olhando de uma forma mais antropológica e sociológica, o carnaval em Salvador não se trata uma expressão cultural, mas sim uma união de diversas expressões dividindo o mesmo tempo e espaço de forma quase sincronizada. Eu não peguei o modus operandi logo no meu primeiro carnaval, só no meu segundo ano eu consegui analisar todo aquele funcionamento e pude planejar meus passos para melhor aproveitar essa festa maligna e gostosa.


  • Primeiro, é necessário ter um bom time de amigos e saber que existe a possibilidade de algum bravo soldado ficar pra trás, mas se forem espertos, vão achar um lugar lógico para se encontrar.

  • Segundo, é importante fazer um “esquente” em casa com os amigos para já chegar mais solto na festa.

  • Terceiro, tenha um planejamento do que irá fazer junto com seus amigos, mas saiba que imprevistos sempre acontece.

  • Quarto, tu tem que ficar ligado em tudo ao seu redor e guardar coisas importantes em lugares estratégicos assim como tá de olho em quem tá ao seu redor.

  • Quinto, não seja lerdo e, de preferência, treine a esquiva.

  • Sexto, carnaval de Salvador não é Purim, então nada de ficar bêbado até não diferenciar amigo do inimigo, pois tem que tá ligado.

  • Sétimo, tente não se estressar com os outros na rua.

  • Oitavo, saiba que tudo que está na rua está muito sujo e nem passando um paninho na lata dá pra limpar.

  • Nono, eu gosto de tomar uma cachacinha, pois cerveja é cara, demora muito de fazer efeito e te faz querer ir no banheiro.

  • Décimo, esteja preparado para andar muito e sempre beba uma aguinha pra hidratar. Décimo primeiro, respeite as meninas.


Creio que esse clássico da Banda Mel, “Baianidade Nagô”, uma declaração de amor ao carnaval de Salvador, não precise de muitas explicações ou declarações sobre a mesma. Inclusive, essa banda se tornou referência no linguajar soteropolitano com a expressão “já fui, Banda Mel”.


Banda Mel – Baianidade Nagô



Ainda narrando um pouco sobre minhas aventuras carnavalescas, eu gostaria de falar sobre um amor de carnaval que eu desenvolvi. Desde a primeira vez que eu fui, eu me apaixonei perdidamente pela Mudança do García. Na minha humilde opinião, a Mudança é a melhor festa de todo carnaval. Lá começa cedo entre 9 e 11 horas na concentração ali no fim de linha. São vários pequenos blocos que sempre envolvem três coisas: diversão carnavalesca sem maldade, política e causas sociais. O percurso se torna relativamente longo por conta de pequenas demoras e atrasos (ainda mais se você for como eu e tem que falar com todo mundo que conhece). É uma festa extremamente divertida que reúne toda família de criança pequena até idoso. Não se vê briga ou confusão, nem ninguém “se passando” ou sendo roubado. Ao longo do caminho tem alguns restaurantes de comida boa e um preço em conta. Tu sempre vai achar ou fazer amigos. É um lugar difícil de se perder dos amigos. Começa cedo e acaba cedo, por volta das 18 ou 19 horas e tudo desemboca no campo grande. Sempre ocorre nas segundas de carnaval.


Uma figura emblemática que fazia parte quase que religiosa da festa era o magnífico e reconhecido Riachão, um dos maiores sambistas que esse Brasil já teve. Samba, Samba de Roda, Samba de Coco e Partido Alto, Riachão “brocava” em tudo, como se diz aqui na Bahia. Cantor e compositor, as vezes até ator, aquele velho baixinho com cara de malandro que sabe curtir a vida nasceu e morreu no bairro do Garcia e sempre tinha o momento da pausa na frente da casa dele onde ele cantava e brincava com o público. Sempre com um bigodinho, boina e geralmente de paletó branco com uma toalha, panos ou cachecóis em seu pescoço. Infelizmente nosso querido Clementino Rodrigues, o Riachão, morreu aos 98 anos de causas naturais em 2020. Sua obra será sempre lembrada pelos seus sambas imortalizados também em outras vozes como Cássia Eller e Caetano Veloso, assim como também há um documentário de 2001 sobre sua vida dirigido por Jorge Alfredo.


Com vocês, um clássico absoluto nacional que nasceu na Bahia:


Riachão – Vá Morar Com o Diabo



Essa história é meio estranha, mas tem quem ache engraçada. Há muitos anos, minha mãe veio com o irmão para estudar em Salvador. Ela foi morar no Orixás Center e lá moraram figuras conhecidas da Bahia como Jean Willys e Netinho. Segundo minha mãe narrava, Netinho morava com o irmão e ainda era um aspirante a cantor de sucesso. Ele ou o irmão tinha um fusca verde e, segundo ela, ele era doido pra ficar com ela. Bem... não sei bem a verossimilidade da história, mas também não posso dizer que é mentira dela.


Independentemente de qualquer coisa, Netinho marcou seu lugar no mundo do Axé com diversos sucessos como “Mila”, “Caprichos dos Deuses”, “Menina”, “Pra Te Ter Aqui”, “Você É Linda” e outras. Netinho começou jovem na Banda Beijo e gravou seu primeiro disco em 1988, com 22 anos, mesmo ano em que estreou no carnaval. Entre 1993 e 2001, Netinho era sucesso nacional indo para programas de televisão e tendo suas músicas em novelas famosas. Nos anos 2000s ele dá uma sumida, vai para Portugal e lá ajuda a promover um carnaval baiano nas terras lusitanas. Fez shows da África e algumas parcerias como Fábio Junior e Carlinhos Brown, mas nada de relevante como antes. Nessa mesma época as pessoas questionavam de forma invasiva a sua vida e os motivos da mudança e relativo sumiço. Questionavam sua saúde e sexualidade. Após sua volta para o Brasil, Netinho se meteu em algumas polêmicas ao se declarar bissexual e conservador, assim como problemas no fígado por abuso de esteroides (anabolizantes), seu posicionamento político e suas declarações sobre o atual carnaval de Salvador.


Netinho – Capricho dos Deuses



Desculpe, mas eu não tenho muito pra falar sobre Sarajane. Ela começou sua carreira em 1980 quando ela foi contratada aos 12 anos para ser cantora no Estúdio WR, o estúdio responsável por criar o Axé Music de fato. Ela é irmã da cantora Simone Moreno, que foi casada com Pepeu Gomes, e foi cantora do trio elétrico dos Novos Bárbaros (Seria uma homenagem aos Novos Baianos e Doces Bárbaros?). Sua carreira foi relativamente extensa e tentou levar a música baiana para o sudeste com mais ímpeto que os demais artistas. Além disso, se enveredou por outros estilos como pop-rock, forró, funk, música eletrônica, lambada e outros (tipo Luiz Caldas). Porém eu conheço muito pouco sobre sua carreira e obra, mas achei necessário colocar essa música que marcou gerações e até hoje é usada em atividades e piadas. Como também serve muito bem para mostrar uma visão turística e genérica da cidade de Salvador através desse clipe.


Sarajane – A Roda



O mesmo amigo que me fez gostar de carnaval, Rodrigo Argolo, me apresentou outra maravilha que há nesse mundo louco e divertido. Eu nunca gostei nem da ideia de um bloco desses grandes que tem no Campo Grande e Barra-Ondina, mesmo entendo que existe uma necessidade financeira e turística pra isso. Então eu conheci a realidade dos bloquinhos que ocorrem pela cidade inteira, inclusive nas regiões ondem passam blocos e trios grandes. Não gosto da ideia de abadás caros, blocos “isolados” e camarotes elitizados. Então esse amigo me convidou para ir num bloco em que seus tios, seu pai e amigo desses participam chamado “Conhaque do Zé”. Claramente eu era a pessoa mais jovem daquela festa com direito banda e fanfarra, mas estava lá unido pelo amor à bagunça, álcool e por saber todas as marchinhas e músicas puxadas pela banda. Começava uma concentração no Politeama perto do Orixás Center e terminava no Cravinho, ali no Pelourinho. De lá fomos pro Palco do Rock, mas isso é outra história.

Essa música não tem muito a ver com a história que eu acabei de contar, mas carnaval nunca foi uma época marcada por coerência. Mas a verdade que, mesmo também não dando importância para essa banda em si, é uma daquelas músicas que sempre tem que tocar no carnaval. Aliás, independe de gostar ou não, acho que a maioria aqui é mais por uma questão de memória nostálgicas de momentos bons que eu tive no carnaval ou com amigos. Se eu for buscar da infância, quando minha mãe me obrigava a ir com ela, eu iria odiar todas.

Cheiro de Amor é uma banda de Axé que começou em 1985 ainda com o nome de Pimenta de Cheiro, nome do primeiro álbum inclusive. Com Márcia Freire no vocal e no comando, eles ganham certa repercussão na Bahia por volta de 1987, porém não tanto quanto gostariam. Em 1988 eles mudam de nome parar Cheiro de Amor e lançam o disco “Salassiê” que emplacou sucessos como uma música homônima e “Roda Baiana”. Até 1998 foram lançados um álbum por ano e todos eles tinham pelo menos um sucesso carnavalesco. Isso sem contar os álbuns ao vivo. Porém, desde 1996 saí Márcia Freire e entra Carla Visi, que substituiu Daniela Mercury na Companhia Clic. Foi uma época de uma certa decadência à banda. No final de 2000, Márcia Freire volta pra banda depois de um arranca rabo na justiça, mas a banda continua em instabilidade. Em 2003 sai Márcia Freire e entra Alinne Rosa, que tinha um visual mais “chocante” com cabelo colorido, tatuagem e piercings. Alinne Rosa fica até 2014 e a banda volta a obter sucesso. Porém a banda conta com Vina Calmon desde após o carnaval de 2014.


Cheiro de Amor – Vai Sacudir, Vai Abalar



Não se pode falar de carnaval sem citar algumas pessoas, por mais que às vezes se tenha polêmicas as envolvendo. Uma dessas pessoas é Daniela Mercury, amada por uns e odiada por outros. Inclusive o irmão mais novo de meu amigo já citado é muito fã dela. Daniela começou sendo backing vocal da Banda Eva entre 1986 e 1988, dividindo palco com Luiz Caldas e Ricardo Chaves. Em 1988 mantem a mesma função na banda de Gilberto Gil. Entre 1988 e 1990, era vocalista da Companhia Clic. Em 1991 ela lança um disco chamado “Daniela Mercury” que já contava com sucessos como “Swing da Cor” e “Menino do Pelô”. Mas o grande sucesso vem mesmo em 1992 com “O Canto da Cidade” que leva uma música com o mesmo nome. Nos anos seguintes ela, assim como Ivete Sangalo, emplacava sucessos seguidos como “Pérola Negra”, por exemplo. E, assim como Ivete Sangalo, disputava o título de rainha do carnaval baiano, sendo que os foliões sempre colocavam lenha na fogueira aumentando a rivalidade como quase uma rixa pessoal (se era de fato, não sei). Daniela Mercury conseguiu muito apoio do público LGBTQ+, mesmo antes de se tornar uma ativista da causa e se casar com Malu Verçosa.


Daniela Mercury - O Canto da Cidade



A verdade que a maioria dessas músicas eu nem gosto de verdade, mas elas realmente são importantes para a temática e, sendo bem sincero, são músicas boas dentro dessa perspectiva carnavalesca e “axézêra”. E não tem como falar de carnaval de Salvador sem falar de Ivete Sangalo, reconhecida internacionalmente, e a banda Eva. Diga-se de passagem, mesmo não tendo o sucesso internacional que Ivete tem, a banda Eva conseguiu sobreviver muito bem sem ela, principalmente na fase de Saulo.


Uma coisa que acho importante mencionar é que Ivete Sangalo era uma “roqueira” e suas pretensões ao sair de Juazeiro era ser uma cantora dessa área, mas ela foi esperta e viu que dinheiro bom mesmo, aqui na Bahia pelo menos, vinha do Axé. Lembro dos tempos de MTV em duas ocasiões em que ela não só mostrava seu gosto musical que contava com Sepultura, AC/DC e System Of A Down, mas como também demonstrava domínio e conteúdo referente.


Vamos de “Beleza Rara” que realmente todo mundo conhece essa música que até hoje toca.


Banda Eva – Beleza Rara


Se você não assistiu “Ó Paí, Ó”, pare tudo que estiver fazendo e dê um jeito de assistir esse que considero um dos melhores filmes nacionais (tá pelo menos entre os 30 mais, se eu fizer uma lista rápida). Ele mistura comédia, drama e musical. De 2007 tem Monique Gardenberg (filha de pai judeu polonês), roteiro baseado na peça de Márcio Meirelles, Caetano Veloso como coordenador da trilha sonora e estrelado por Lázaro Ramos, Wagner Moura e o Bando de Teatro Olodum.

Cenograficamente, eu não vi retrato melhor do que é Salvador, principalmente Pelourinho, e o que é a baianidade (vou lançar uma problemática sobre essa questão terminológica, pois o que se intente por “baianidade” tem muito mais a ver com Salvador do que com Bahia em si). Tem quem diga que é uma visão negativa de Salvador, mas eu acho uma visão trágica e cômica da realidade soteropolitana, sobretudo de baixa renda do centro (outra discussão bem bacana que podemos ter que envolve sociologia, antropologia urbana e arquitetura/urbanismo, é sobre o processo de gentrificação, realocação de moradores e expansão comercial de uma elite sobre o centro histórico).

Eu estou citando esse filme por ser um filme tipicamente baiano que se passa durante o carnaval no centro e por ser meio musical também. Então vamos ver essa versão de Olodum com Lázaro Ramos no vocal (essa é uma das poucas que eu realmente gosto).


Lázaro Ramos e Olodum – Vem Meu Amor


Ela já foi citada aqui antes nesse mesmo artigo, mas precisa fazer uma menção mais digna de sua história. Para muito, Margareth Menezes é a verdadeira rainha da música baiana e do Axé. Ela queria ser cantora de Funk e Blues, como já disse antes, mas começou sua carreira no teatro com peças tanto para adultos quanto para crianças, principalmente do Vila Velha. Após o lançamento do seu single 1987, conseguiu notoriedade nacional e conseguiu um contrato para lançar seu primeiro álbum em 1988. No mesmo ano ela recebeu dois troféus imprensa por melhor disco e melhor cantora que acabou rendendo uma grande turnê no Brasil e na Argentina. Nesse álbum autointitulado ela tem o que pra mim é sua maior música, “Elegibô (Uma História de Ifá)” de autoria de Rey Zulu e Ythamar Tropicália. Essa é uma daquelas músicas que trazem misticismo e cultura afro-brasileira, mais uma vez musicalizando parte da história e liturgia do povo negro. Eu confesso que eu me arrepio ao escutar essa música que consegue juntar uma letra interessantíssima com uma musicalidade incrível. Confesso que não sou chegado muito em Axé, mas tenho uma queda por Samba-Reggae.


Margareth Menezes – Elegibô (Uma História de Ifá)



Todo mundo que nasceu em Salvador deve ter ouvido 200 vezes sobre as origens do carnaval. Sobre como como era a rua Chile e a lendária Fóbica de Dodô e Osmar. De como nasceu a guitarra baiana (pau elétrico). Esses caras estudavam música e engenharia e eram amantes total da folia, da bagunça, da esbórnia, da música, da boêmia, da confusão... Se conheceram em 1938 e seu objetivo era amplificar o som dos instrumentos de corda. O que resultou na criação do pau elétrico (guitarra baiana) em 1942. Em 1950 eles sobem num Ford 1929 velho escrito na lateral “Dupla Elétrica” tocando suas adaptações das canções do grupo Vassourinhas Recife. Seu acelerador e freio eram os próprios foliões. Não sei se sabiam, mas eles mudaram o mundo.

Quero ressaltar que essa música é de autoria de Moraes Moreira que também estava nos vocais e explica um pouco sobre essa história.


Armandinho, Dodô & Osmar


Tudo bem que Armandinho chegou depois na brincadeira, mas ele é o cara que revolucionou a guitarra baiana e o carnaval. Essa música é outro hino que toca todo dia de carnaval. É uma grande homenagem para todas as festas carnavalescas que ocorrem durante o carnaval. Essa música é criação de Armandinho com Moraes Moreira para o circuito Barra-Ondina (Dodô).


Armandinho e Moraes Moreira – Chame Gente


Ainda seguindo a linha de Armandinho, vamos falar de A Cor do Som. Originalmente era a banda de apoio de Moraes Moreira depois de sua saída dos Novos Baianos. É considerado um movimento pós-tropicalistas que seguiu uma linha mais psicodélica e um tanto progressiva com base em Moraes Moreira e Pepeu Gomes, assim como outros da tropicália como Caetano Veloso na sua fase que flertava com o Rock experimental argentino dos Beat Boys (tudo bem que a banda foi fundada aqui no Brasil). Inclusive a banda contava com o baterista Gustavo Schroeter que gravou seu nome no Rock Progressivo nacional ao participar da Bolha. É uma banda divertida, mas não é a banda que a gente pensa quando pensamos em carnaval. Mas não existe um carnaval que eu não escute essa música em algum lugar. O som não é muito comercial e nem é o maior expoente da folia baiana, mas eu achei necessário apresentar essa música que está aí sendo tocada há décadas.


A Cor do Som – Zanzibar


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