Exposição Judeus do Egito - 70 anos de Exílio (Arquivo pessoal)
Fica em cartaz até 17 de julho no Clube Hebraica em São Paulo a Exposição “Judeus do Egito, 70 anos de exilio”. O trabalho conta a história de judeus que tinham suas raízes no Egito, tiveram que mudar radicalmente as suas vidas por causa do golpe de Estado dado por Gamal Abdel Nasser e o General Muhammad Naguib em 1952. Tivemos a oportunidade de ir visitar essa magnífica exposição no dia da sua abertura, 12/06/22 e fiquei tocada com a riqueza da pesquisa e com a beleza dos textos e todo material exposto. Não tenho parentes que tenham vindo do Egito expulsos por serem judeus, mas logo me lembrei de tantas histórias que ouvi de chaverot da SIB, certamente a nossa Comunidade deve ter muitas famílias vindas do Egito nessas condições.
Nesta quinta-feira, 30/06 às 19:00 horas, teremos a oportunidade no nosso tradicional "Encontro com o Rabino" de ouvir e conversar com os idealizadores desta exposição: Davy Levy, Sami Douek e Eduardo Cohen, participam desta conversa sobre mais esse momento dramático da história do povo judeu.
Lá no final desta matéria, logo depois dos depoimentos de membros da nossa comunidade cujas famílias foram expulsas do Egito, teremos um breve histórico dos fatos.
Claudia Loureiro e Izio Kowes na Exposição Judeus do Egito - 70 anos de Exílio (Arquivo pessoal)
Conversamos com o Chaver Luís Barouchel, ele nos contou que seu pai (que faleceu no ano passado, com quase 90 anos) saiu cedo do Egito, com 17 anos, em 48, pois teria que, eventualmente, servir o exército egípcio contra Israel, pois foi a época de sua fundação e foi quando houve a primeira "guerra" contra Israel.
Ele veio diretamente para o Brasil/Rio de Janeiro onde já vivia um primo de meu avô, que abriu um comércio (Casas Veneza).“Meus avós vieram em 1952, com o irmão mais novo do meu pai, que tinha 17 anos na época.
Meu pai cursava o primeiro ano de medicina no Egito, e chegou sem formação. Trabalhou como vendedor na loja do tio enquanto estudava. Segundo ele me contou, na época, foi um período difícil, no pós-guerra, com sérias dificuldades financeiras.
Quanto à língua, ele já falava árabe, inglês e francês (língua falada em casa). O português foi relativamente fácil de aprender, pois na casa da avó paterna, de origem turca, se falava ladino (baseado no espanhol do século XV, levado pelos judeus expulsos da península ibérica) que muito se parece com a nossa língua.
Após 5 anos no Rio de Janeiro, já formado em administração e trabalhando, conheceu minha mãe, filha de russos, vindos da Argentina (vieram com o movimento imigratório financiado pelo Barão Hirch para o norte da Argentina-Corrientes e interior do Rio Grande do Sul). Casaram-se em 1954.
Meu avô era contador e trabalhou para o primo e, depois, em outras empresas. não tenho memória de terem passado por necessidades. Eles vieram antes da expulsão, mas a situação lá já era ruim.
Meus avós tinham muitos irmãos no Egito que foram expulsos. Um dos irmãos de meu avô foi para o Uruguai, mas todos os outros foram para Israel.
Posso dizer que todos, sem exceção, deixaram de amar o Egito e meus avós, tio (ainda vivo) e meu pai adoravam o Brasil, tendo eterna gratidão por terem sido recebidos no país.
Quando perguntado se gostaria de visitar o Egito, Barouchel respondeu:
Eu pessoalmente nunca fui ao Egito e não tenho interesse na cultura egípcia atual. Embora gostaria de visitar o Egito com o único objetivo de conhecer um pouco do Egito da época faraônica. Meus parentes que foram expulsos nunca mais voltaram lá. Todos rejeitaram o país.
Conversamos também com o Chaver Max Saul, filho da nossa querida e saudosa Saly Saul, ele nos contou o seguinte:
Primeiramente acho importantíssimo que a comunidade judaica relembre e divulgue os fatos que aconteceram logo após a guerra do Sinai em 1956. Afinal de contas, foram milhares de pessoas expulsas de seus lares, sem direito a levarem nada, sem cidadania e sem rumo. É uma história pouco conhecida e que teve grande impacto na vida de muitos.
Meus pais e avós paternos, meus tios e primos sempre falaram muito da vida que tinham no Egito, da chegada ao Brasil e o recomeço de vida por aqui. Alguns vieram para São Paulo, outros para o Rio de Janeiro, mas tenho familiares que acabaram em outros países, como França, Inglaterra, os EUA, Canadá e Israel.
A vida dos judeus no Cairo, onde a maior parte da minha família vivia era boa. Embora o nível socioeconômico da família da minha mãe fosse bem diferente da do meu pai, ambos tiveram acesso a um estudo de excelência e acabaram se encontrando nas rodas sociais. Meu pai era um excelente arquiteto e minha mãe tinha acabado seu curso de secretariado. Todos que vieram do Egito falavam várias línguas, mas como ela tinha um especial dom para idiomas, acumulou o conhecimento de nada menos que sete deles (francês, árabe, ídiche, inglês, italiano e posteriormente português e hebraico).
Tinham uma vida próspera após o casamento, com vários imóveis e, no ano da expulsão, meu pai havia acabado de construir seu primeiro prédio. Esse patrimônio todo foi deixado para trás.
Da família, alguns já tinham deixado o Egito dois anos antes da guerra. Um deles, meu tio avô Mayer se estabeleceu em São Paulo. Quando chegou a vez de minha mãe sair, ela veio para o Brasil por conselho desse tio. No último mês de gravidez, ela se lançou nessa longuíssima viagem para não ter a filha num país hostil como o Egito. Chegou em São Paulo no dia 24 de dezembro de 1956 à tarde e minha irmã nasceu na mesma noite na maternidade de São Paulo.
Meu pai veio de navio no início de 1957 e mais tarde meus avós, tios e primos. Como todos chegaram na condição de apátridas, foram acolhidos como refugiados. O recomeço no Brasil foi difícil. Outra língua, outros costumes, sem condições financeiras, mas felizmente com bagagem cultural. Pouco tempo depois já estavam trabalhando e vivendo suas rotinas.
Meu pai começou a trabalhar numa loja de móveis na Rua Augusta e algum tempo depois o proprietário lhe ofereceu sociedade. Foi o início de uma longa carreira de sucesso no design de móveis e ambientes.
Lembro que ele sempre foi muito grato ao governo brasileiro por tê-los recebido. O Brasil da época era acolhedor e São Paulo era (e é ainda) uma cidade de muitas culturas.
A maior parte da família revisitou o Egito após o acordo de paz com Israel. No início da década de 1980, minha mãe e eu fomos ao Cairo. Visitamos os locais de sua infância, juventude, da época de já casada, bem como os pontos turísticos tradicionais. Além de sua emoção em rever estes lugares, fiquei espantado com a facilidade com que falava árabe com as pessoas.
Documentos dos pais de Max, Richard David Saul e Sarina Saul, para entrada no Brasil
Histórico
No final da 2ª Guerra, a concatenação de uma série de forças e eventos deu início a um processo que, em um tempo relativamente curto, minou a posição das comunidades judaicas no mundo árabe e levou à sua total desintegração. Nos anos da guerra o nacionalismo árabe e o panarabismo cresceram ainda mais entre as populações muçulmanas e grupos militantes, como a Sociedade da Fraternidade Muçulmana, já eram poderosas forças populares. Paralelamente, um forte antissionismo tomou conta de todo o mundo árabe e o Egito foi palco dos primeiros distúrbios.
Em 1945, a comunidade egípcia, composta de 65 mil pessoas, a maioria em Alexandria e no Cairo, era uma das mais urbanizadas e com o maior grau de instrução de todo o mundo árabe. Naquele mesmo ano, a comunidade foi sacudida por violentas ações antissemitas. No dia 2 de novembro, maciças demonstrações organizadas por grupos nacionalistas islâmicos ocorreram em Alexandria, Cairo e em outras cidades. No Cairo, foram depredados uma sinagoga, o hospital judaico e outras instituições comunitárias, assim como vários estabelecimentos comerciais de proprietários judeus. Centenas de pessoas ficaram feridas e um policial morreu. Em Alexandria, a violência provocou a morte de seis pessoas, cinco das quais eram judias, e feriu 150.
O rei e o governo se manifestaram publicamente contra a violência, mas a segurança da comunidade estava abalada. À medida que se aproximava a votação das Nações Unidas que decidiria sobre uma eventual partilha da Palestina, agravavam-se as hostilidades. Durante os debates da Assembleia Geral, o delegado do Egito, Heykal Pasha, declarou:
"A solução proposta pode colocar em risco um milhão de judeus que vivem em países muçulmanos... podendo vir a criar nesses países um antissemitismo mais difícil de ser eliminado do que o existente na Alemanha".
Nesse mesmo ano, uma nova lei estabeleceu que as sociedades anônimas egípcias deveriam deter 51% de capital nacional e 75% dos empregadores e 90% dos empregados deveriam ter nacionalidade egípcia. Como a maioria dos judeus não possuía a nacionalidade egípcia, seu status era de estrangeiros ou apátridas, então mais de 50 mil judeus ficaram desempregados.
A proclamação do Estado de Israel, em maio de 1948, deteriorou ainda mais a situação da comunidade. Bairros judeus foram atacados, deixando um trágico rastro de 70 mortos e mais de 200 feridos. O rei Farouk se reuniu, antes da eclosão da Guerra de Independência de Israel, quando o Egito atacou o recém-criado Estado, com as lideranças comunitárias, assegurando sua proteção. Mas, isso não conseguiu tranquilizar os judeus. Nas primeiras semanas do conflito 1.000 judeus foram presos e levados para campos de internação.
Em 1952, um golpe de estado depôs o rei e proclamou a República do Egito. O novo regime procura tranquilizar os judeus recusando-se inclusive a seguir as recomendações da Liga Árabe de congelar as propriedades judaicas no país. Esse breve interlúdio termina quando Gamal Abdel Nasser toma o poder. Em 1956, quando nacionaliza o Canal de Suez e proíbe navios israelenses de cruzá-lo, Israel reage.
Por ocasião da Guerra de Suez, como passou a ser chamado o conflito, não houve ataques de turbas violentas contra a comunidade judaica, mas o governo egípcio tomou medidas severas contra seus membros, declarando que, como todos os judeus eram sionistas, inevitavelmente eram "inimigos do Estado". Deviam, portanto, ser expulsos do Egito. Cerca de 30 mil judeus, 60% da comunidade, deixaram o país. Mais de 14 mil foram para Israel, os outros seguiram para a Europa, para os Estados Unidos e América do Sul, inclusive para São Paulo. No ano seguinte, aquele êxodo continuou. O governo que vetara aos judeus a venda dos bens, bem como levar consigo dinheiro ou qualquer outro objeto de valor, os forçava a assinar uma declaração dizendo que deixavam o Egito "por vontade própria" e concordavam com o confisco de seus bens. Três anos mais tarde, restavam apenas 10 mil judeus no país.
Na véspera da Guerra dos Seis Dias, em 1967, somente restavam entre 2.500 e 3 mil judeus. Durante o terceiro conflito com Israel, ocorreram novos confiscos e detenções; milhares de judeus foram enviados para campos de internação, onde foram torturados durante três anos. Essa última violência determinou praticamente a extinção da vida judaica no Egito e, hoje, lá vivem apenas uma centena de judeus. Apesar do Tratado de Paz que vigora entre o Estado de Israel e esse país, o antissionismo é um tópico quase diário na mídia egípcia.
(Fontes: morasha.com.br, historiadomudo.com.br)
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