Além de música, uma das minhas grandes paixões é o cinema. Desde pequeno eu sempre fui aficionado por músicas e filmes e passei muitas horas de meus dias me dedicando a isso. Podemos dizer que tive uma infância pitoresca -como muita coisa em minha vida- com atividades normais e “estranhas” para crianças. Quando brincava com meus amigos, um simples “polícia e ladrão” se tornava um épico filme de ação imaginário com tiros, explosões, perseguições e até um certo roteiro com uma trama que geralmente envolvia vingança. Ir para roça com meu avô e meus primos poderia se tornar um faroeste facilmente. Brincar com bonecos era quase como uma série cheia de arcos complexos que até meus amigos se perdiam. Tudo isso sem ignorar a importância da trilha sonora para ambientar toda essa maluquice. Foram muitas horas de manhã, de tarde, de noite e de madrugada, explorando e conhecendo o vasto mundo cinematográfico e, com isso, aumentando também meu leque musical com as trilhas sonoras.
“O Violinista No Telhado” é um musical que todo judeu deveria assistir pelo menos uma vez na vida. Na verdade, eu faria uma aposta ao dizer que a maioria dos judeus já devem ter visto esse filme em algum momento. Já vi referências diretas ao musical assistindo “The Goldbergs”, “The Simpsons”, “The Big Bang Theory”, “Animaniacs”, “The Nanny” e já até foi usado em atividade do Habonim Dror. O filme se passa em 1905 num stetl russo na fictícia cidade de Anatekva focando sua narrativa no leiteiro Tevye, interpretado pelo ator israelense Chaim Topol. Tevye, um homem alegre e trabalhado que respeita as tradições, quer casar suas filhas mais velhas com pretendentes com boa condição financeira, mas elas se recusam. Assim como tem uma filha que se apaixona por um cristão. Tevye e seus vizinhos tem que passar por algumas mazelas da vida judaica durante o czarismo enquanto já lida com seus problemas pessoais e aleatoriamente um violinista toca em telhados. Eu gosto muito de apresentar esse filme com a primeira cena onde Tevye se apresenta, apresenta seu vilarejo, sua família, suas crenças e, o mais importante, as tradições. Porém a cena que eu mais gosto é quando eles cantam “LeChaim” bêbados numa taverna e acabam tendo um encontro inicialmente tenso, mas logo em seguida amistoso entre judeus e cristãos que cantam, dançam e bebem juntos (quase o carnaval de Salvador).
Fiddler On The Roof – LeChaim
Seguindo a linha musical, irei falar sobre o meu musical favorito de uma das minhas bandas favoritas. The Who é uma das maiores bandas inglesas surgindo em 1964 durante a grande explosão de bandas britânicas. Inicialmente eram jovens mods rebeldes que se destacava por uma agressividade até então não vista antes. Gostaria de registrar também que eles possuíam John Entwistle, o meu baixista favorito que foi uma grande influência para diversos baixistas como Flea. Em 1969 eles lançam o álbum duplo “Tommy”, álbum progressivo com elementos psicodélicos que na verdade era uma grande Opera Rock. Conta a saga de Tommy, o filho de Capitão Walker, um piloto sumido durante a Primeira Guerra Mundial, que passa por uma situação extremamente traumática que o deixa cego, surdo e mudo podendo apenas se ver no reflexo do espelho. Tommy passa por outras situações traumáticas e se trona uma lenda pinball, logo após isso, ele se torna uma controversa figura messiânica. Em 1975 “Tommy” ganha uma adaptação para o cinema com algumas pequenas mudanças no roteiro e contanto com participações ilustres de, além do próprio The Who, Elton John, Eric Clapton, Tina Tunner e Jack Nicholson. Em 1973 eles lançam outra Opera Rock ainda mais progressiva homenageando o movimento mod “Quadrophenia” que ganhou uma adaptação em 1979 e é tido como um dos melhores filmes britânicos.
The Who – Listening To You/ See Me, Feel Me
Se você é meu amigo há um tempo ou já parou para conversar comigo sobre cinema (ou foi em festas à fantasia comigo) sabe que sou completamente apaixonado por faroeste. Na verdade, eu sou um homem de muitas paixões, mas algumas tem destaque. Quando se fala de faroeste, não tem como não falar de Clint Eastwood, que considero o maior ator do gênero imortalmente lembrado pelo “estranho sem nome”, e Sergio Leone, o que considero o maior diretor do gênero imortalmente lembrado por suas trilogias como “trilogia dos dólares” e “trilogia era uma vez”. Leone trouxe um ar realista, cínico e tenso que revolucionou o gênero para sempre. Enquanto os EUA faziam filmes clichês com roteiros previsíveis explorando sempre o maniqueísmo de mocinho justo, bandido mau, mocinha indefesa e indígenas bárbaros, a Itália produzia o chamado “Western Spaghettini” que era tosco, mal feito, cómico, circense e cheio de anacronismos. Mas Leone superou os dos polos trazendo enredos autênticos, fotografias épicas, personagens moralmente típicos ao noir, argumentos bem construídos e uma trilha sonora que te envolve emocionalmente e te transporta para o que se passa na tela. Nada disso seria possível sem meu compositor erudito contemporâneo favorito, Ennio Morricone. Morricone era amigo de infância de Leone e mantiveram uma parceria no cinema que durou décadas. Inclusive te desafio a pensar em trilha sonora de faroeste e não pensar em Morricone logo de cara. Me desculpe, John Williams, mas eu acho que ninguém faz uma trilha sonora como ele. Na dúvida entre qual música escolhe entre tantos filmes fantásticos que marcaram o cinema e minha vida, eu escolho a música do duelo final de “Por Um Punhado De Dólares” de 1965, sendo que meu filme favorito deles é “Três Homens Em Conflito” de 1966.
Ennio Morricone – Paying Off Scores, Pt 3
Sergio Leone ficou muito famoso por seus extraordinários faroestes, mas sua trilogia “era uma vez” começa com dois faroestes incríveis, “Era Uma Vez No Oeste” e “Quando Explode A Vingança”, e termina com um filme de gângster, “Era Uma Vez Na América” de 1984. Acontece que esse italiano chegou a recusar participar do projeto da Paramount de produção do “O Poderoso Chefão”, pois já havia começado a pensar na produção do seu próprio filme dessa temática. Se bem que eu acredito que pode ter havido pressão da máfia já que é sabido que o próprio Coppola passou por isso. Esse filme foca num grupo de quatro gângsters judeus que cresceram na pobreza de Lower East Side, Nova Iorque. O filme começa com o personagem principal vivido por Robert De Niro, Noodles, já idoso e acaba tendo flashbacks que remontam desde sua infância. Vivendo na pobreza e cercado de corrupção e violência, os quatro jovens judeus começam a se envolver em pequenos crimes até começar a trabalhar para máfia durante a lei seca até eles crescendo e se tornando famosos e poderosos gângsteres. Esse filme, por mais que tenha todos os elementos típicos de um filme de gângster/máfia, é um filme sobre amizade cuja beleza é muitas vezes incompreendida. Esse foi o último filme do grande mestre Leone e mais uma vez com trilha sonora feita completamente pelo magnânimo Ennio Morricone.
Ennio Morricone – Fiends
Mantendo a temática, vamos falar do maior clássico gângster de todos os tempos, “O Poderoso Chefão”. Assim como muitos outros filmes que listei e irei listar, assisto essa obra-prima todos os anos (faço maratonas temáticas com filmes repetidos que já sei as falas). Sem dúvidas um dos melhores filmes de todos os tempos e o melhor filme de Coppola. Baseado no livro homônimo de Mario Puzo, é uma obra ficcional que faz alusão e referência a acontecimentos reais do crime organizado e cosa nostra em Nova Iorque, Cuba e Nevada. Alguns valores morais -soa meio estranho dizer isso sobre um filme sobre crime- eu absorvi ainda criança ao me maravilhar com esse filme cheio de frases brilhantes que até hoje parafraseio com momentos oportunos, geralmente carregando honra e sabedoria. Lembro da época de escola quando fiz meus amigos se tornarem fãs da saga e fingíamos ser mafiosos (Eu era Moe Greene por motivos judaicos óbvios, mesmo querendo ser Vito Corleone, imortalizado por Marlon Brando). Eu era uma espécie de “conselheiro” para filmes, música, quadrinhos, séries e livros, mas o que mais emprestava eram filmes e cheguei até a ter um pequeno esquema de cópia e distribuição de CDs e DVDs para amigos, pois era melhor que emprestar os meus originais.
Nino Rota – The Godfather Theme
Como pode ter percebido, eu sou apaixonado também pela temática de gângster/máfia e creio que Martin Scorsese é o maior diretor dessa área. Vindo de uma família siciliana do Queens, os filmes de Scorsese são sempre sucesso e se tornam clássicos. Ele não aborda somente crime e gangues, ele faz documentários à cinebiografia e religiosidade ao terror psicológico. Mas seu destaque mesmo vem por retratar casos reais ligados à máfia e crime organizado de forma adaptada para o cinema e por suas trilhas sonoras com uma diversidade de músicas, gêneros e artistas diferentes. Todos os seus filmes são carregados de músicas. No caso de “Bons Companheiros” de 1990, não é diferente. O filme é narrado por Henry Hill (vivido por Ray Liotta), um metade irlandês metade siciliano nascido Nova Iorque que cresce num bairro da classe trabalhadora do Brooklyn e ainda criança começa a trabalhar para Paul Vario (Paul Cicero no filme vivido por Paul Sorvino), capo da família Lucchese e faz fortes laços de amizade com o criminoso irlandês-americano Jimmy Burke (Jimmy Conway no filme vivido por Robert De Niro) e do ítalo-americano Thomas DeSimone (Tommy DeVito no filme vivido por Joe Pesci) ao longo das décadas e passando por vários crimes até sua prisão em 1980. “Sunshine Of Your Love” da banda britânica Cream (Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce) toca logo na introdução do personagem Jimmy Conway um pouco mais velho e experiente que acaba apadrinhando os dois jovens criminosos.
Cream – Sunshine Of Your Love
Repetindo mais um sucesso de filmes de gângsteres baseados em fatos reais, em 1995 Scorsese lança “Cassino” que conta a história de Frank “Lefty” Rosenthal (Sam “Ace” Rothstein no filme vivido por Robert De Niro) um judeu de Chicago conhecido por ser um grande apostador e associado da máfia que vira o administrador de um dos maiores cassinos de Las Vegas e sua relação com a máfia, com seu amigo ítalo-americano Antony “Tony Ant” Spilotro (Nicholas “Nicky” Santoro no filme vivido por Joe Pesci) e sua esposa problemática Geraldine McGee (Ginger McKenna no filme vivida por Sharon Stone). Outro filme com trilha sonora recheada e variada alinhado com um roteiro e atuações magníficos. Pela quarta vez Scorsese trabalha com De Niro, pela terceira vez De Niro e Joe Pesci formam uma parceria e a terceira vez que De Niro, um ítalo-americano interpreta um gângster judeu. A música, “The House Of The Rising Sun” do grupo inglês The Animals foi escolhida pela cena em que aparece, a cena da queima de arquivo em que os chefões da máfia que estão sendo processados mandam matar várias pessoas com medo de testemunharem contra eles. Importante lembrar que o sobrenome Rothstein provavelmente foi uma referência ao grande gângster judeu Arnold Rothstein, padrinho de Meyer Lansky e Benjamim “Bugsy” Siegel.
The Animals – The House Of The Rising Sun
Acredito que por mais que a pessoa não tenha assistido, mas já ouviu falar de “Onze Homens E Um Segredo” de 2001. Trata-se de um filme Steven Soderbergh com George Clooney, Matt Damon, Andy García, Brad Pitt e Julia Roberts sobre um grupo de pessoas descoladas que querem roubar um cassino com um plano inusitado. Esse filme teve mais duas continuações seguindo a mesma linha de roubos, trapaças e reviravoltas com um elenco cada vez mais crescente e recentemente ganhou uma versão reduzida focada num grupo de mulheres contando com Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Rihanna e Helena Bonham Carter. Mas eu não estou falando de nenhum desses filmes e sim do original de 1960 que conta com Frank Sinatra como Danny Ocean, o personagem principal, Dean Martin e Sammy Davis Jr. Vale ressaltar que Frank Sinatra e Dean Martin eram ítalo-americanos, mas só Frank Sinatra tinha algum envolvimento com a Máfia sendo amigo de alguns gângsteres famosos como Lucky Luciano, Meyer Lanky e Al Capone. Sinatra chegou a tocar na “Conferência de Havana” em que a chamada “Comissão” (principais famílias criminosas máfia) e o “sindicato do crime da Amárica” (principais criminosos e organizações criminosas dos EUA) estavam se reunindo para tocar seus negócios em Havana, pois Lucky Luciano não podia mais pisar nos EUA e seu grande amigo gângster judeu Meyer Lansky tinha diversos hotéis cassinos em havana e os utilizou para sediar algumas dessas reuniões. Dizem também que o personagem de Johnny Fontane em “O Poderoso Chefão” seria baseado em Sinatra e a “conferência de Havana” é retratada em sua sequência. Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr, que era judeu, formaram um super grupo de música e entretenimento -basicamente eles ficavam bebendo, fumando e contando piadas e histórias entre as músicas nos shows) chamado The Rat Pack. No filme, parte dos integrantes do golpe se disfarçam de membros da banda do cassino durante o assalto. A música que toca, “Ain’t The A Kick In The Head” de Dean Martin é uma pérola musical que me remente para um tempo que nunca vive, mas já fantasiei muito enquanto tomava um Bourbon e me imaginava em Las Vegas dos anos 50/60s.
Dean Martin – Ain’t The A Kick In The Head
Ao alugar uma fita VHS entre 2000 e 2001 eu vi o trailer de “O Grande Lebowski”, de 1998, que logo me chamou atenção por tocar “Just Dropped In” de Kenny Rogers em meio a várias cenas loucas e engraçadas. Essa música é bem diferente do resto da obra de Kenny Rogers que é muito mais focado no Country e chegando a participar de alguns filmes de faroeste como “O Jogador” que leva título da canção tema “The Gamble”. A música escolhida está mais para um rock sessentista com elementos psicodélicos. Essa música toca durante um sonho/alucinação que o protagonista vivido por Jeff Bridges, Jeff Lebowski ou o cara (The Dude), tem após ser enganado e drogado ao investigar o paradeiro da esposa de um milionário que tem o mesmo nome que ele. Durante vários momentos do filme, o cara só queria ficar de boa e jogar seu boliche ouvindo Creedence, mas é confundido com esse milionário homônimo e acaba se envolvendo em muita confusão junto ao seu amigo judeu Walter que vive cheio de estresse pós-traumático da guerra do Vietnã para descobrir o paradeiro da esposa do milionário que supostamente foi sequestrada por artistas niilistas alemães. Esse filme dos irmãos Coen, grande dupla de judeus do cinema, é uma comédia autêntica e original que mistura tanta coisa de forma tão limpa e com uma trilha sonora bem variada também.
Kenny Rogers – Just Dropped In
Como eu já falei do Clint Eastwood anteriormente ao falar de Sergio Leone, aqui vai uma dele. Para quem não sabe, o grande Clint Eastwood não é só ator, diretor e produtor de cinema, também é canto e pianista de Jazz. Ele chegou a gravar algumas coisas de Country, mas sua verdadeira paixão é o Jazz. Ele ficou muito estigmatizado por seus filmes de faroeste e de ação que fez entre o final de 1950 e o começo de 1980, não que ele tenha deixado de fazer, mas era difícil conseguir financiar obras diferentes. Ele tem obras sensíveis como “Breezy”, “Pontes De Madison” e “Menina De Ouro”, e muitas vezes se viu obrigado a fazer filmes de ação clichês ou comédias de ação para financiar filmes mais artísticos. Isso corre quando Clint precisou de dinheiro para fazer um filme, “Bird” de 1988, que conta a vida do grande jazzista Charlie Parker, vivido por Forest Whitaker. Acontece que não viam com bons olhos um filme sobre um músico negro de jazz viciado em heroína. Então em 1982 Clint Eastwood faz “Honkytonk Man”, um filme sobre um músico de Country branco alcoólatra e tuberculoso com problemas financeiros no meio da grande depressão rodando de carro tentando fazer shows e conseguir dinheiro (e fazendo trambiques), vagamente baseado em Jimmie Rodgers. Esse filme também tem a última participação cinematográfica de Marty Robbins antes de morrer. Eu cogitei colocar algo de Charlie Parker, mas preferi colocar Clint Eastwood por valor sentimental.
Clint Eastwood e Marty Robbins – Honkytonk Man
Johnny Cash é uma figura musicalmente importantíssima para minha vida e me atrevo a dizer que uma das músicas que mais me identifico, no sentido de “música da sua vida” é “Highway Patrolman” que me choquei um pouco em descobrir que não era original dele e sim de Bruce Springsteen. A música fala sobre a relação complicada que Joe Roberts (David Morse) tem com seu irmão Frank (Viggo Mortensen). Frank sempre causou problemas na cidade desde quando era pequeno, mas quando é seu irmão, você olha de outro jeito. Frank foi para o Vietnã e Joe arranjou o emprego como policial do estado, casou com Maria (Valeria Golino) e sossega numa fazendinha. Frank Volta do Vietnã, mas continua aprontando muito. Eu sempre ouvia essa música e imagina um filme, aí descubro que em 1991 Sean Penn, filho de pai judeu com mãe irlandesa-italiana, faz a versão cinematográfica da música de maneira bem fiel, “The Indian Runner”. (A versão de Johnny Cash é muito melhor)
Bruce Springsteen – Highway Patrolman
Opmerkingen