Hoje vivemos permanentemente sob domínio tecnológico, ele está presente no nosso dia a dia, seu encantamento e fascínio nos envolve em uma proporção avassaladora nos empurra para adotarmos sempre e rapidamente as últimas novidades tecnológicas no nosso cotidiano tanto nas atividades pessoais como profissionais.
O encantamento da tecnologia enfeitiça, sendo que a indústria que a produz e a mídia que as promove induzem a todos o seu consumo propagando seus benefícios, suas maravilhas, esquecendo-se que desde que bem utilizadas e oportunamente aplicadas com o objetivo de beneficiar a sociedade e o indivíduo.
Em particular na medicina isto não é diferente, porém muito impactante, tanto na qualidade da atenção médica quanto nos seus custos. O verdadeiro tsunami de novidades tecnológicas, torna seu acompanhamento por vezes difícil para o profissional médico. O receio da obsolescência do profissional, a “imposição” dos pacientes ávidos por utilizar destas novidades tecnológicas e o risco de ser julgado desatualizado, em muitas situações, impulsiona o médico a utilizar rapidamente destas novidades sem o devido estudo e o crivo crítico necessário.
O resultado desta tempestade tecnológica é uma desumanização da assistência médica, que adicionando-se a crescente implementação das consultas on-line e o uso da inteligência artificial (IA), contribuem para um afastamento maior entre o médico seu paciente e familiares, quebrando o elo da relação médio/paciente, aspecto humano imprescindível para uma boa prática médica.
Neste sentido surge o movimento denominado “Slow Medicine”, que objetiva resgatar valores fundamentais da Medicina Humanizada, enfatizando a importância da relação médico/paciente”, como fator determinante na boa qualidade da assistência médica.
Este termo de “Slow Medicine”, não me agrada, pois pode dar um sentido negativo e parecer estar na contracorrente da inovação tecnológica, o que está redondamente equivocado, o que o movimento pretende e deseja é a utilização da tecnologia de forma racional e humanizada em benefício de nossos pacientes.
Os dez princípios da Slow Medicine:
1. Tempo
Tempo para ouvir, para entender, para refletir. Tempo para consultar e tomar decisões. A tomada de decisões melhora quando os médicos dedicam seu tempo e sua atenção ao paciente.
2. Individualização
Cuidado particularizado, justo, apropriado. A individualidade em lugar da generalidade. O paciente deve ser o foco da atenção e seu ponto de vista e seus valores são fundamentais.
3. Autonomia e Auto-Cuidado
Decisões compartilhadas. A chave da questão são os valores, expectativas e preferências do paciente. Nela estão envolvidos o ambiente de cuidados do paciente, sua família, vizinhos, amigos e outras fontes de suporte ou apoio.
4. Conceito positivo de saúde
Neste conceito de saúde, que transcende o antigo conceito de saúde da OMS (“um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e enfermidades”) o foco é no auto cuidado e resiliência, com ênfase na saúde e não na doença, abordando os cuidados de saúde e a prevenção de doenças e a manutenção da qualidade e da acessibilidade dos cuidados.
5. Prevenção
Alimentação saudável é a prescrição básica para uma vida saudável. Atividade física regular, pensamento positivo e flexibilidade mental são essenciais para manter nossos cérebros saudáveis.
6. Qualidade de vida
Fazer mais nem sempre significa fazer melhor. Mais que quantidade deve-se investir na qualidade, na aceitação do inevitável. Deve-se sempre considerar a arte médica de não intervir – a sabedoria da observação clínica .
7. Medicina Integrativa
O melhor de 2 mundos: medicina tradicional sempre que indicada. Medicina complementar se possível, preferencialmente baseada em evidências. Segurança em primeiro lugar, eficácia quando possível. Sem metáforas da luta ou guerra contra a doença. As palavras de ordem são recuperação, equilíbrio, harmonia.
8. Segurança em primeiro lugar:
Lembre-se do juramento de Hipócrates: Primum non nocere et in dubio abstine. Em primeiro lugar não causar o mal. Em dúvida, abstenha-se de intervir.
9. Paixão e compaixão
Resgatar a paixão pelo cuidar e o sentimento da compaixão na atenção médica. Buscar incansavelmente a humanização dos cuidados à saúde.
10. Uso parcimonioso da tecnologia
A tecnologia deve servir ao homem. As novas tecnologias devem cumprir seus objetivos de auxiliar a pessoa no autocuidado e auxiliar o médico a tomar as melhores decisões para seu paciente, que busquem primordialmente melhorar sua qualidade de vida.
Finalizando este artigo, lembro de uma conversa que ainda nos meus primeiros passos como estudante do curso de medicina tive com meu saudoso avô que me questionou se eu estava gostando do curso médico e como eu estava me saindo e eu disse que gostava muito e que estava me saindo bem e ele com a sabedoria dos seus 99 anos me falou:
“Filho se você necessitar escolher entre dois profissionais médicos extremamente competentes e não souber qual dos dois eleger, escolha o de bom coração, lembre-se sempre disto”.
Este sábio ensinamento, trago comigo sempre, está presente durante todos meus anos de prática médico/cirúrgica e sempre o agradeço por isto.
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