O que é o Mistério?
O que é o desconhecido?
O que é o Incognoscível?
Bamidbar (Números) 19:1-22:1
NASA on The Commons, No restrictions, via Wikimedia Commons
Essa semana estamos lendo a parashá do livro de Bamidbar (Números), chamada Chukat (Estatutos). A palavra Chukat seria um plural uma outra palavra em hebraico chamada Chok que poderia ser traduzida como leis, estatutos, eventos, fenômenos incognoscíveis.
A vida é um deserto. A vida também é um mistério. Um mistério de tom extremamente desconhecido. Uma soma de alguns eventos e leis previsíveis e fenômenos e estatutos incognoscíveis. A vida tem em si, por essência, estatutos e leis suprarracionais. O que sabemos é muito pouco comparado ao que não sabemos. O paradoxo da realidade do “homem” contemporâneo é que quanto mais o ser humano sabe, menos sabe que sabe. A proporção do que se sabe, se reduz em comparação ao que não se sabe, a medida e cada vez que a humanidade sabe mais. O tamanho da nossa ignorância, aumenta mais e mais e parece que sabemos menos do que o homem do passado em proporção, apesar de sabermos mais do que antigamente. É o mesmo que andar pelo deserto ou pelo espaço, quanto mais se anda, mais espaço ou deserto se tem e se observa e mais perdido, podemos nos sentir. Essa é uma percepção do homem quando contempla o Eterno. Quanto mais tentamos entender, mais complexo, difícil, amplo, longínquo, inexplicável e infinito fica. É por isso que não se entende ou se explica o Sagrado, apenas se vive e contempla. O Sagrado por tanto, por si só, é o Mistério. O Grande Mistério. O Desconhecido. Na realidade, lidamos com o desconhecido diariamente, apesar de cada vez termos mais e mais orgulho de termos dominado certas variáveis da vida. Como uma miragem, passamos a guiar e pautar nossa vida, através de uma ilusão que nos aprisiona. O lema do mundo moderno é: Temos a capacidade de entender tudo e todos, basta que a Ciência estude e decifre. Penso, logo existo, conclui Descartes. O problema é que o poder que conquistamos enquanto humanidade nos engana e nos ilude sobre uma realidade que cada vez mais se mostra absurda. O que fazer diante por exemplo, de uma realidade que Heinsenberg e Bohr nos mostrou? O que fazemos com os princípios da Complementaridade e da Incerteza? Einstein, por um momento, preferível dizer que D-us não joga dados com o universo. E Bohr, respondeu a Einstein: Pare de dizer o Que D-us deve fazer! Einstein mesmo tentou rever sua opinião. São alguns judeus se deparando com o incompreensível da realidade. Mais essa ilusão é confortável, muito confortável! Porque é muito e muito incômodo estar diante de uma realidade incompreensível e extremamente assustadora ao ego, estar diante de algo que não se dá para entender. Porém a realidade é assim em muitas vezes, para todos nós, no nosso dia a dia, porque sabemos muito pouco do que está acontecendo e do que poderá acontecer no momento seguinte, a realidade é assim para o bebê que cada vez mais aprende e não entende o enorme mundo ao seu redor, para a criança que pergunta o tempo todo e o adolescente que questiona o tempo. O adulto de hoje, apesar da enorme quantidade de dúvidas, no entanto se acostumou com o orgulho de que tudo pode ser “explicado” pela Ciência e perdeu a inocência do oculto, mas na verdade, nos deparamos com a realidade de um mundo imponente e devorador, um mundo das interrogações. Falo isso, não porque devemos concordar cegamente com as imagens, histórias, ídolos criados pela humanidade para trazer “conforto” do desespero e do medo que o desconhecido nos traz, mas por que devemos retornar a condição de criança que por inocência afasta o medo e desespero do incompreensível, “aceita” e acolhe o que não se dá para entender e se sente boquiaberta pelo mundo desconhecido a ser explorado. E talvez esse possa ser a ponta de esperança da humanidade diante do tenebroso “buraco negro” do desconhecido. Aceitar e se maravilhar com o desconhecido. Assim como mostra Carl Sagan, a grande emoção que se tem diante do pálido ponto azul. Diferente de outras tradições que acreditam que fé é aceitar o que é impossível, o judaísmo e a Torá, não concorda com o incoerente, por que ele não é real e não é verdade, mas o judaísmo traduz e entende o encantamento do desconhecido com o nome de Emuná. A palavra Emuná, seria confiança nos estatutos e leis não compreensíveis da realidade, não por que elas são impossíveis, mas por que ainda não conseguimos compreender o que está na nossa frente e está tudo bem aceitar a realidade assim como ela é, mesmo que não podemos entendê-la. Não é necessário criar uma ilusão ou imagem para explicar o aparente inexplicável. A Torá confia que a realidade foi construída para funcionar bem e de forma elegante e majestosa, mesmo que não temos o entendimento do funcionamento.
Devarim 29:28
“As coisas ocultas pertencem ao Eterno e as coisa reveladas nos pertencem, a nós, aos nossos filhos e a toda nossa descendência, em todas as gerações. Que possamos cumprir as palavras dessa Torá..”
A parashá Chukat mostra vários exemplos de leis, eventos e estatutos incognoscíveis, como a Vaca Vermelha(Pará Adumá), o Decreto Divino sobre Moshe e Aharon (Das águas de Meribá), A Serpente de Bronze (Neustã) não para que sigamos cegamente o que está escrito, mas para nos apresentar o lado incompreensível dos fenômenos e eventos naturais e humanos. Para que possamos ter confiança no complexo e ao mesmo tempo simples, nos mecanismos incompreensíveis que formam a realidade. Não para abaixamos a cabeça diante do imponderável, mas para ficarmos encantados diante do mistério e o oculto, apesar que em essência, nos chama atenção a charada, a incógnita, o enigma, a esfinge, a sombra…
Bamidbar (Números)19:1
“Zot Chukat HaTorá Asher Tzivá Ad-nai lemor…”
Este é o Mistério/Desconhecido/Incompreensível/Oculto/Incognoscível da Torá que ordenou(pôs em ordem) o Eterno, dizendo…
O importante que a Torá nos ensina é “compreender” o incompreensível. É não tentar entender aquilo que ainda não se pode entender. É se contentar com aquilo que se pode explicar. É aceitar a realidade como ela é e se maravilhar com a grandeza do oculto. Assim, deixamos de nos envolver com a miragem do Ego, deixamos de ser escravos das imagens e das explicações dos homens e passamos a ser livres diante do Mistério da Realidade.
“Peço desculpas a todos vocês de antemão por quaisquer erros que eu tenha cometido. Fiquem à vontade para fazerem recomendações e correções ao texto”
Saulo Brandão de Aguiar(Beniamim Ben Avraham)
Amém!
Referências:
Chumash Torá - Rabbi Meir Matzliah Melamed ZT”L (Editora Sefer)
Chumash Torá - Rabbi Aryeh Kaplan ZT”L (Editora Maayanot)
Comentários do Rabbi Jonathan Sacks ZT”L em português(Site da Sinagoga Edmond Safra)
Carl Sagan - Blue Pale Dot (Pálido Ponto Azul) Albert Einstein, Niels Bohr e Werner Heinsenberg
Rabino Nilton Bonder - Chatzot HaShavua - Chukat: https://youtu.be/gV4Aokddyng
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